El azúcar
El blanco azúcar que endulzará mi café
en esta mañana de Ipanema
no fue producido por mí
ni brotó del azucarero por milagro.
Lo veo puro
y agradable al paladar
como beso de muchacha, agua
en la piel, flor
que se disuelve en la boca. Pero este azúcar
no fue hecho por mí.
Este azúcar vino
de la despensa de la esquina y tampoco lo hizo Oliveira,
dueño de la despensa.
Este azúcar vino
de un ingenio azucarero de Pernambuco
o del estado de Río
y tampoco lo hizo el dueño del ingenio.
Este azúcar era caña
y vino de los cañaverales extensos
que no nacen porque sí
en la falda del valle.
En lugares distantes, donde no hay hospital
ni escuela,
hombres que no saben leer y mueren de hambre
a los veintisiete años
plantaron y cortaron la caña
que se volvería azúcar.
En oscuros ingenios,
hombres de vida amarga
y dura
produjeron este azúcar
blanco y puro
con que endulzo mi café esta mañana en Ipanema.
(De Dentro da noite veloz, 1975)
O açúcar. O branco açúcar que adoçará meu café / nesta manhã de Ipanema / não foi produzido por mim / nem surgiu dentro do açucareiro por milagre. // Vejo-o puro / e afável ao paladar / como beijo de moça, água / na pele, flor / que se dissolve na boca. Mas este açúcar / não foi feito por mim. // Este açúcar veio / da mercearia da esquina e tampouco o fez o Oliveira, / dono da mercearia. / Este açúcar veio / de uma usina de açúcar em Pernambuco / ou no Estado do Rio / e tampouco o fez o dono da usina. // Este açúcar era cana / e veio dos canaviais extensos / que não nascem por acaso / no regaço do vale. // Em lugares distantes, onde não há hospital / nem escola, / homens que não sabem ler e morrem de fome / aos vinte e sete anos / plantaram e colheram a cana / que viraria açúcar. // Em usinas obscuras, / homens de vida amarga / e dura / produziram esse açúcar / branco e puro / com que adoço meu café esta manhã em Ipanema.
Muerte de Clarice Lispector
Mientras te enterraban en el cementerio judío
de Cajú
(y el resplandor de tu mirada subterránea
aún resistía)
el taxi corría conmigo rodeando la Lagoa
en dirección a Botafogo
Y las piedras y las nubes y los árboles
en el viento
mostraban alegremente
que no dependen de nosotros.
(De Na vertigem do dia, 1980)
Morte de Clarice Lispector. Enquanto te enterravam no cemitério judeu / do Caju / (e o clarão de teu olhar soterrado / resistindo ainda) / o táxi corria comigo à borda da Lagoa / na direção de Botafogo / E as pedras e as nuvens e as árvores / no vento / mostravam alegremente / que não dependem de nós.
Mañana
Tan vertiginoso urgía
el verano
zumbando como un dínamo
en esas mañanas veloces
que era como si viéramos
la eternidad
(ofuscante)
produciéndose a sí misma,
mientras oíamos
luz voraz
consumir a nuestros muertos
sobre la ciudad.
(De Muitas vozes, 1990)
Manhã. Tão vertiginoso urgia / o verão / zunindo feito dínamo / naquelas manhãs velozes / que era como se víssemos / a eternidade / (ofuscante) / se produzindo a si mesma, // enquanto ouvíamos // luz voraz / consumir nossos mortos / acima da cidade.